É alarmante o número de crianças e adultos em São Paulo com registro civil onde não consta a paternidade
A estrutura familiar tem o condão de satisfazer com bastante precisão ao desejo atávico de agregação e desenvolvimento pessoal a partir da observação de modelos. Mesmo surgindo em formas e intensidades diferentes, as famílias são o alicerce da formação humana, dando o grau de ajustamento de cada indivíduo para se relacionar em sociedade. Neste padrão, os papéis desempenhados pelas figuras paterna e materna moldam as personalidades, embora não sejam formadoras da identidade.
Os novos padrões de comportamento têm colocado em xeque os limites de responsabilidade de cada pessoa. A maior liberdade de relacionamentos sexuais trouxe uma avalanche de conceitos inéditos, atingindo principalmente os adolescentes na tarefa de refazerem seus padrões morais e estabelecerem as regras de convivência com os prazeres e responsabilidades decorrentes.
Vai longe o tempo em que a gravidez não planejada era sinônimo de casamento. Ao tempo em que aumenta a permissividade nos relacionamentos, reforçam-se padrões morais tradicionais em prejuízo das mulheres. A falta de profundidade nas relações se estende ao descompromisso com as conseqüências e os rapazes são os primeiros a se outorgar a liberdade da falta de obrigações.
É alarmante o número de crianças e adultos com registro civil onde não consta a paternidade, como se coubesse exclusivamente à mulher o encargo da prevenção à concepção e a eventual criação dos filhos. Segundo reportagem nesta edição, são pelo menos 350 mil os registros incompletos apenas no universo dos estudantes de escolas públicas no Estado de São Paulo.
As dificuldades de ajustamento social e o sentimento de frustração pessoal reforçam o mérito da iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de promover mutirão de reconhecimento voluntário ou não de paternidade, em rito sumário. Em procedimento simples, milhares de pessoas poderão eliminar de seus documentos o constrangimento da omissão de paternidade. Não são poucos os casos em que a ausência de um nome no registro individual traz o peso da rejeição, da negação e atesta um conflito de repercussão na formação das pessoas.
O mutirão restabelece ainda um padrão de comportamento mais aceitável. Recoloca no devido lugar as avaliações de responsabilidade dos casais como autores conceptivos, refutando o repasse de obrigações exclusivas para a mãe, ranço de uma sociedade machista que resguardava o direito paterno à aceitação voluntária. O ônus do sustento deve ser imposto igualmente, assim como a responsabilidade de educação. Onde as soluções mais simples e diretas não acontecem, o Estado deve intervir na defesa dos direitos e na divisão de compromissos. Afinal, pior que a perda da figura paterna por morte ou doença, é o afastamento por covardia, omissão ou irresponsabilidade.