29.03.2023: Artigo – Alienação fiduciária de bem imóvel em garantia. Algumas notas sobre a ilicitude da publicação de “edital único” – Por Mauro Antônio Rocha

A publicação do chamado “edital único” de público leilão para a venda do imóvel com a propriedade consolidada em execução extrajudicial pode configurar violação das determinações da lei 9.514/97 e submete o fiduciante ao risco de avultado prejuízo.

1. “O procedimento executivo extrajudicial estabelecido pela lei 9.514/97 para a garantia fiduciária é único, específico e extremamente simplificado”[1] e, para além de detalhado no diploma legal, deve ser integral e obrigatoriamente transcrito, em forma clausular, para o contrato de alienação fiduciária de modo que a exposição do devedor ou fiduciante às sabidas e contundentes consequências do descumprimento das obrigações pactuadas não comporta manifestação lamuriosa.

No entanto, apesar da execução simplificada e com o intuito de abreviar o trâmite legal e administrativo, o credor fiduciário muitas vezes apadrinha artimanhas e truculências ao arrepio da lei que, mesmo sem conferir benefícios diretos, prenunciam a violação de direitos e submetem o fiduciante ao risco de avultado prejuízo.

Exemplo disso é a publicação e divulgação dos “editais únicos” para a oferta de venda do imóvel em ‘primeiro’ e ‘segundo’ leilões, que serão realizados na mesma data – ou em dias subsequentes – por valores tão discrepantes que desestimulam irremediavelmente ocasional intenção de participação e lanço em primeiro leilão, tolhendo a legítima expectativa do fiduciante de obtenção de justo preço na arrematação e consequente recuperação de parte do patrimônio arruinado.

Confirmam o acima relatado as seguintes ofertas, colhidas aleatoriamente em edições recentes do jornal Folha de S. Paulo:

2. A alienação fiduciária de bem imóvel exige do fiduciário que, consolidada a propriedade em nome do credor pelo inadimplemento de obrigação contratual pelo fiduciante, ofereça o objeto da garantia à venda, em leilão público a ser realizado em trinta dias[2], pelo maior lance superior ao valor indicado para esse efeito no contrato,[3 ]revisado conforme critérios estabelecidos contratualmente[4], com o propósito da conversão desse ativo nos recursos monetários necessários à satisfação do crédito e pronta devolução ao devedor da sobra eventualmente apurada.

Cabe salientar, que a apuração do preço para venda estipulado com fulcro na norma legal resultará, de partida e comumente, desfavorável ao fiduciante por não espelhar, com a fidelidade desejada, o valor atualizado do imóvel, uma vez que o  ‘quantum’ inserido na grande maioria dos contratos firmados apenas reproduz o preço da aquisição – produto da competência de negociação das partes – não vinculado a prévia avaliação técnica, bem como o critério de revisão geralmente adotado é o da atualização monetária pelos mesmos índices de correção da dívida, não impactado pela possível valorização por razões de mercado ou acessão de benfeitorias.

3. Não se encontrará na lei 9.514/97 dispositivo que autorize ou justifique a publicação do “edital único”.

O ‘caput’ do art. 27 da lei se limita a prescrever a promoção de compulsório “público leilão para a alienação do imóvel”, de maneira que a única hipótese de realização de um “segundo leilão”, prevista no § 1º do mesmo artigo, advém da previsão de possível resultado negativo, a indicar que o preço ofertado excede ao valor de mercado do imóvel e, consequentemente, supera as expectativas de ocasionais lançadores e compradores.

Assim, o parágrafo primeiro do art. 27 da lei deve ser interpretado de maneira a extrair duas importantes informações para a exata compreensão do procedimento de realização do bem: (i) a intenção legal de, constatado o insucesso do leilão promovido, reiterar a oferta de venda com a redução do lance mínimo ao montante suficiente ao pagamento integral da dívida (respeitadas, também, as limitações prescritas na lei 9.514/97[5] e no Código Civil vigente[6]); (ii) a indicação de que o leilão reiterado encerra o estágio de alienação obrigatória do imóvel, prosseguindo a liquidação, no caso de insucesso recorrente, com a extinção da dívida, quitação mútua e a indevidamente denominada ‘adjudicação’ pelo credor.[7]

Deste modo, a realização do ‘segundo’ leilão somente seria admissível após frustrado o leilão inicial pela ausência de interessados ou de lance vencedor. Ou, de forma direta e precisa, não aparenta ser lícito aventar a realização de um segundo leilão, tornando público preço de venda largamente reduzido, antes de afirmado o insucesso da oferta inicial.

A motivação fundada no princípio da economia processual – produção do resultado máximo possível com o mínimo de tempo e dinheiro – para a publicação do edital único não se sustenta face à ausência de qualquer cerimônia visível em todo o procedimento com relação à imputação de encargos, despesas, custas e emolumentos, pagos ou incorridos, à conta do fiduciante. Ademais, ao infirmar a possibilidade da venda do imóvel por justo preço essa conduta afasta o credor do princípio da economia processual para acerca-lo da imoderada oneração e do desnecessário dispêndio do patrimônio do fiduciante.

4. Ainda que a interpretação do texto legal aqui exposta venha a ser questionada, o que se admite apenas ad argumentandum, as premissas do presumível prejuízo patrimonial suportado pelo fiduciante não serão facilmente refutadas.

É evidente, inafastável e incontestável que as ofertas de venda do mesmo imóvel pelo valor integral da avaliação em “primeiro” leilão e pelo valor da avaliação reduzido em até metade do preço inicial no “segundo leilão”, apresentadas em um único edital, para aquisição no mesmo dia ou em dias seguintes, desencorajará e dissuadirá eventuais interessados na arrematação ainda no certame inaugural.

Dessa forma, seria de grande conveniência a explícita vedação da divulgação de oferta com preço reduzido antes de finalizado o leilão inicial e confirmado o resultado negativo. A alteração da norma legal, por meio de atividade legislativa regular, pode ser facilitada pela retomada da apreciação pelo Senado Federal do projeto de lei  4.188/021 que propõe, dentre outras coisas, o aprimoramento das regras de garantia e dos procedimentos extrajudiciais na alienação fiduciária de bem imóvel, mas que, infelizmente, empilha proposições claramente propensas a beneficiar unicamente aos credores fiduciários.

5. Finalmente, enquanto não decidida por atividade legislativa ou judicial a questão, cabe ao fiduciante sopesar a oportunidade e risco de intentar as medidas judiciais de sustação do leilão ou dos seus efeitos, apontando como vício intrínseco do edital a situação aqui exposta, com vistas a impedir a eventual venda ou, ao final, invalidar a arrematação do imóvel.

As presentes notas resultam de estudos e pesquisas acadêmicas procedidas pelo autor e ora são publicadas com o intuito de apontar o justo equilíbrio entre os direitos de fiduciários e fiduciantes, com vistas – e como eventual subsídio – à declaração de interesse do Governo Federal em retornar o projeto de lei do “Marco legal das garantias” à sua regular tramitação.

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[1] ROCHA, Mauro Antonio. Alienação Fiduciária de bem imóvel – Da supergarantia do crédito imobiliário ao Big Mac dos negócios financeiros. São Paulo: Editorial Lepanto, 2022. P.105

[2] art. 27 da lei 9.514/97

[3] § 1º do art. 27 da lei 9.514/97

[4] Art. 24, VI da lei 9.514/97

[5] § único do art. 24 da lei 9.514/97

[6] Art. 891 e parágrafo único do Código de Processo Civil.

[7] § 5º do art. 27 da lei 9.514/97

Mauro Antônio Rocha é advogado graduado pela Faculdade de Direito da USP. Pós-Graduação em Direito Imobiliário e Direito Notarial e Registral. Vice Presidente da AD NOTARE Academia Nacional de Direito Notarial e Registral

Fonte: Migalhas


A Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso do Sul, também denominada ANOREG MS, é uma sociedade civil, sem fins econômicos, constituída por prazo indeterminado, tendo sede e foro no Município de Campo Grande/MS.

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