45 anos da Lei do Divórcio: o que mudou?

A Lei 6.515, mais conhecida como Lei do Divórcio, completou 45 anos no dia 26 de dezembro de 2022. Apenas em 1977, após uma emenda constitucional, tornou-se possível a dissolução do casamento.

Até então, mesmo que o casal estivesse separado, o vínculo jurídico permanecia até o fim da vida, e ambos não poderiam contrair um novo matrimônio. Os bens poderiam ser compartilhados e os deveres conjugais extintos, com o pedido de “desquite”, de forma judicial.

O divórcio é considerado o rompimento da relação matrimonial de forma definitiva e pode ser realizado diretamente em um cartório, de forma extrajudicial, quando as duas partes concordam com a separação e quando não há processo de guarda e de pensão envolvendo filhos menores de idade ou incapazes.

Para explicar mais sobre o assunto, a Anoreg/MS conversou com Delmiro Porto, especialista na área do Direito de Família e Sucessões.

Anoreg/MS: O que é a chamada Lei do Divórcio?

Delmiro Porto: A Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, chamada de Lei do Divórcio, há 45 anos (entrou em vigor na data de sua publicação) implantou o divórcio no Brasil, quebrando um dos maiores e mais consagrados paradigmas da família brasileira, que era o paradigma do casamento indissolúvel. O casamento, uma vez consumado na forma da lei civil, era vitalício, ou seja, para a vida toda. Uma vez casada, a pessoa assim permaneceria, vinculada à outra, até a morte.

Anoreg/MS: Qual sua importância para a sociedade?

Delmiro Porto: Uma lei que quebra um dos maiores paradigmas (em muitos sentidos) de uma sociedade, é muito importante, de importância histórica, indelével.

A Lei divorcista, enquanto fenômeno jurídico, tem sua importância reguladora, pacificadora, típica das leis, mas, muito mais que isso, essa norma é emblemática, de uma simbologia imensurável, sem medida mesmo, quando verificamos que ela é resultante de fenômenos fáticos gigantescos. Senão, vejamos, em breve síntese: o mundo vinha de uma estrutura filosófica patriarcal (o homem-esposo como centro de poder da organização familiar; mulher-esposa e filhos como figuras secundárias, desempoderadas), e o casamento indissolúvel (pense agora no sentido absolutista) era ferramenta útil e necessária para manutenir essa filosofia moralista do núcleo familiar permeado de desigualação, sob a batuta do patriarca. Outro aspecto fático: a Constituição anunciava um Estado democrático (fundado nas liberdades), costumava registrar (as várias constituições republicanas) que a família era a base da sociedade (pense nisso, base matricial da sociedade), entretanto, a família (a base, veja) era absolutista. Surreal: queríamos um organismo social saudável (livre, justo e solidário, diziam as constituições), mas as células desse organismo eram descompensadas, desequilibradas. Queríamos corpo democrático, com células absolutistas. Surreal. Não há outro termo para essa incongruência, me perdoem.

Só mais uma reflexão sobre a importância da Lei divorcista: em 15 de novembro de 1889 proclamamos a República, regime de liberdades, seguindo a tendência mundial pós-revolução francesa (que tinha já um século). A República provocou o separatismo, fenômeno que separa Estado e Igreja, distinguindo os seus papeis enquanto instituições autônomas. A Igreja apeou do poder político (Estado e Igreja eram instituição una e cabeça do poder constituído). Se a Igreja desembarcou do poder, o que resulta é o chamado Estado laico, leigo, secular. Com o separatismo, que cria uma carta distinta de tarefas institucionais, a quem tocou o super instituto do casamento? Tocou ao Estado, por isso denominado casamento civil (regulado pela lei do Estado, pela lei civil). Ora, se o casamento era civil (do Estado), e o Estado era leigo (sem religião – o culto deixa de ser oficial – do Estado – e passa a ser livre – desde 1889!), esse casamento deveria ser dissolúvel (liberdade para dissolver = regime republicano = regime de liberdades) desde o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890 (ano seguinte à República), que regulou o casamento civil. Mas, o que se seguiu e o que se viu? Uma indissolubilidade consagrada ao longo do tempo, mesmo com a instalação da República, a criação do Estado laico e sendo civil o casamento (do Estado sem religião). Somente em 26 de dezembro de 1977, após 88 anos de Estado laico, a Lei nº 6.515 vira esse jogo e cria uma realidade congruente, harmônica, coerente, com o Estado democrático de direito aqui vigorante (a Lei do divórcio regulamentou a E.C. nº 9/1977). Os 45 anos dessa lei-senhora-coroa, linda e estilosa, merece bolo e velas, com certeza! Ela está revogada pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil, mas por eles fora recepcionada, e, conforme eu disse, é um capítulo indelével da família brasileira, do nosso Direito de Família.

Anoreg/MS: Por que a Lei do Divórcio teria surgido tanto tempo depois da criação do Estado laico? Não seria outra a lógica?

Delmiro Porto: De 1889 a 1977 passaram-se 88 anos! Isso serve para ratificar a importância da Lei divorcista: vem quebrar um paradigma torto que era a proibição do divórcio no Estado das liberdades. Em doutrina, costumamos dar por explicação a isso o que chamamos de “mão invisível da Igreja”: a metáfora da mão invisível, seria no sentido de que a Igreja apeou do poder político, mas suas pastorais atuaram firmes, relutantes e quase invencíveis na manutenção do vínculo conjugal indissolúvel – Deus une, só Deus separa.

Anoreg/MS: Houve algum fator social que tenha corroborado com a aprovação da emenda constitucional?

Delmiro Porto: Os movimentos antipatriarcalistas brotaram em várias partes do mundo, especialmente os movimentos feministas a partir dos Estados Unidos da América (década de 1960), pela emancipação da mulher, com a garantia de suas liberdades.

Essas mobilizações foram muito importantes para vencer os antidivorcistas, que eram classe formada pela camada religiosa e estratos sociais muito conservadores. Essa classe defendia com convicção que o divórcio faria desaparecer a família. Ainda uma curiosidade: uma das formas de vencer essas camadas e ultrapassar suas trincheiras antidivorcistas, foi implantando o divórcio bifásico, ou seja, o divórcio que só poderia ocorrer após prévia separação judicial (dissolução da sociedade conjugal), e com a exigência legal de o Estado-juiz procurar a reconciliação do casal, com reconstituição da sociedade, nesse interregno entre a separação e a sentença de divórcio. Essa foi a última estratégia, cartada, dos divorcistas, como se quisessem dizer: olha, esse divórcio é do tipo que passa pelo processo de separação, e somente após dois longos processos (um de separação e um divorcista), para o caso de não haver reconciliação, é que se decretará o divórcio. Ainda, seria tipo assim: olha, senhores religiosos e conservadores, esse divórcio é temperado de flexibilidade e possibilidade. Essa foi a cartada final e fatal dos divorcistas!

Anoreg/MS: Quais foram as principais mudanças que a Lei sofreu ao longo desses 45 anos, e qual a importância dos cartórios nesse processo evolutivo?

Delmiro Porto: Muitas e importantes mudanças, não na essência do instituto, mas em sua operação jurídica. Importantes mudanças, porque vamos ver que estão diretamente ligadas à dignidade das pessoas, à liberdade delas. É fundamental que o núcleo familiar, no Estado democrático de direito, seja um espaço de liberdades, um quadro de vida cheio de expressão das personalidades, independente do sexo, da idade, da origem da filiação.

Conforme eu disse, o divórcio bifásico (separação + divórcio) foi estratégico para vencer os estratos sociais conservadores, antidivorcistas. Não vou entrar em muitos detalhamentos técnicos, para não cansar o nosso leitor. Digamos apenas que após uma certa caminhada do divórcio bifásico, tivemos alteração do tempo de espera, de 3 para 1 ano, no requisito legal da espera obrigatória entre a sentença de separação judicial e a propositura da ação de divórcio, que apelidamos, na ocasião, de ação de conversão (separação em divórcio). A primeira ação matava a sociedade conjugal (que poderia se reconstruir com a reconciliação comunicada em juízo), e a segunda ação, divorcista, matava o vínculo conjugal (desimpedindo os ex-consortes para novas núpcias). Três anos de espera, uma eternidade, que só seria alterada (Art. 25) para 1 ano em 1992.

Outra curiosidade da Lei em comento, é que em seu texto original, só se podia separar consensualmente após, pelo menos, 2 anos de casamento. A doutrina apelidou, com muita propriedade, de prazo de provação!

Outra curiosidade: só se podia divorciar uma única vez. Ora, isso chegava a ser cômico, pois, imagine quem iria se casar com uma pessoa divorciada? O divorciado seria o potencial candidato da rejeição, pois, afinal, o casamento dele seria, “por tabela”, indissolúvel. Percebemos o pacote de obstáculos que era parte da estratégia para vencer os antidivorcistas.

No § 6º do Art. 226 da Constituição de 1988 surgia, como exceção, um divórcio direto no Brasil: se estivesse separado de fato há mais de 2 anos, poderia propor a ação de divórcio diretamente (sem necessidade da separação judicial prévia e do tempo de espera).

Pronto, esta inovação despertou a fértil criatividade tupiniquim: ficando provada a separação de fato há mais de 2 anos, não é necessário propor ação de separação, e os brasileiros divorciandos, como que por um milagre, chegavam em juízo (a partir daí) sempre com a alegação de separação de fato há mais de 2 anos. Eu brinco que, a fraude era tão descarada, que o juiz dizia boa tarde à testemunha que chegava para a audiência, e a testemunha respondia, mais de 2 anos, Dr. Juiz, com certeza, sim, mais de dois anos. Era perceptível o desconforto dos magistrados, e nem era para menos, em admitir a estampa da mentira nesses processos. Era o famigerado “jeitinho brasileiro” para vencer os óbices legais.

O que se observa é que esses entraves legais eram propositais, reitero, e foram o modo que os divorcistas encontraram para aprovar o divórcio no país maciçamente cristão. Também se percebe que as mudanças, com a diminuição desses entraves, foram aos poucos, paulatinamente, feito água mole em pedra dura, de modo que em 2010 chegaríamos ao divórcio direto, inclusive pela via extrajudicial: um salto em favor do princípio da dignidade da pessoa humana.

Conclusão, a Lei divorcista foi recepcionada pelo Código Civil de 2002, sem modificações substanciais decorrentes do próprio Código, mas a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, criou importante mudança, que foram a separação e o divórcio administrativos ou extrajudiciais. Resolução do CNJ e provimentos das corregedorias estaduais trataram de especificar o procedimento que, desde então, se consuma por escritura pública. Essa via extrajudicial, recepcionada pelo atual Código de Processo Civil (Art. 733), facilita sobremaneira, no sentido de acesso digno à justiça, com uma melhor proteção da privacidade e da intimidade das pessoas e notórias economias, pecuniária e de tempo. Porém, esse caminho muito mais suave exige requisitos legais específicos: além do consenso (só se admite consensualmente), não pode haver prole incapaz, e a escritura pública é lavrada com a assistência de advogado. Desse modo, se há prole incapaz, ou se não há consenso, esse caminho, que é alternativo, deixa de existir. Alternativo e facultativo, o que significa que o juiz não pode extinguir o processo sem julgamento do mérito, ao lume de que faltaria interesse processual, por estarem presentes os pressupostos para a utilização da via administrativa-cartorial.

Nessa síntese, trazemos por último o grande lance nesse cenário de alteração e aperfeiçoamento da norma divorcista: E.C. 66/2010, que estabeleceu, de uma vez por todas, o divórcio direto, ou monofásico, ou seja, passa a constar do Art. 226, § 6º, da Constituição, que “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, deixando para trás o caro pedágio da separação judicial ou administrativa.

Esse conjunto de mudanças evolutivas e propositivas prestaram essencialmente à proteção e promoção da dignidade das pessoas, e, ainda, com muita propriedade, serviu até para desafogo do Poder Judiciário, à medida que foi suprimido o instituto da separação (eram mais de 100.000 processos por ano) e se permitiu o divórcio administrativo.

Anoreg/MS: Sobre a questão da culpa no divórcio, que tem a dizer?

Delmiro Porto: Separações e divórcios litigiosos comportavam, no surgimento da lei divorcista, a discussão de culpa pelo fim da união, por infração grave aos deveres conjugais (adultério, que era infringência ao dever de fidelidade, por exemplo). Ainda quando o Código Civil recepcionou, em 2022, os institutos da separação e do divórcio, traziam consigo previsão de investigação da culpa e consequente sanção (perda ao direito alimentar, por exemplo). Entretanto, a boa notícia, é que na evolução da norma divorcista a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou, há mais de 10 anos, o afastamento da discussão de culpa. Nas demandas litigiosas, recomenda a Corte cidadã que basta a alegação de impossibilidade da continuação do convívio. Isso mesmo, ao Estado não interessa mais a sindicância da culpabilidade, afinal, no Estado das liberdades, a família é cidadã e sua privacidade inviolável. Não importa a causa nem quem teria causado; tendo se tornado impossível a convivência, que se desfaça o laço conjugal.

Anoreg/MS: Como era o processo de separação no Brasil? E quais foram os impactos da Lei?

Delmiro Porto: Quando não tínhamos o divórcio (até 1977), aos esposos era possível, tão somente, a separação, que, como se sabe, dissolvia somente a sociedade conjugal. Chamava-se desquite, termo genuinamente brasileiro. Quando veio a Lei divorcista, trocando o termo desquite por separação judicial, a exemplo dos sistemas europeus, Silvio Rodrigues, advogado paulistano e genial professor das Arcadas, lamentou muito. Realmente, podíamos ter mantido o termo tupiniquim.

Estamos comemorando os 45 anos da Lei nº 6.515/1977. Histórica, emblemática e indelével. Entretanto, apesar de indelével (não se apaga nem se esquece), é uma lei formalmente revogada. Muitos acabam por esquecer dessa verdade jurígena, citando-a como fundamento legal até os nossos dias (isso é uma impropriedade técnica). A Lei foi revogada; a norma (comando normativo) nela contida, está viva (a norma!), e foi recepcionada pelos Códigos Civil e de Processo Civil. Ainda recentemente eu vi mais um parecer do Ministério Público, em que a promotoria de família citava a referida lei como se estivesse em vigor. Excelências, a Lei divorcista foi revogada. A norma divorcista (a norma) está viva em leis codificadas.

Explico mais: a lei em comento chega em 1977 preconizando o divórcio. Como no Código processual (que era de 1973) não havia, logicamente, previsão de procedimento, ao preconizar o divórcio, o fez com multidisciplinaridade: direito material e direito processual. Com a vigência do Código Civil, o divórcio foi codificado, derrogando aquela referida lei no tocante ao direito material (divórcio propriamente e consectários – guarda, alimentos, partilha, questão do sobrenome da mulher). Permaneceu o direito processual (Arts. 34 e s.), parte que se fez derrogada com o advento, em 2015, do Código de Processo Civil.

Por fim, só mais isto: o instituto da separação de direito (judicial ou administrativa) foi extinto com a E.C. 66/2010. Doutrina e Jurisprudência asseveram. Agora vejamos, em que pese o Código de Processo tenha tentado ressuscitar o instituto, prevendo-o, nesse desiderato é letra morta, assim como está  morta a questão da culpabilidade no divórcio, embora o Código Civil não tenha sido revogado no tocante aos dispositivos pertinentes.

Fonte: Assessoria de Comunicação da Anoreg/MS


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