A Anoreg/MS conversou com Naymi Salles Fernandes Silva Torre, oficial da Comarca de Terenos/MS, sobre a atuação de registradores de imóveis na conquista pelo direito à moradia
A regularização fundiária é definida como o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que buscam integrar moradias irregulares ao contexto legal das cidades. A medida é uma forma de promover a cidadania e alcançar o direito à moradia, e essa conquista pode ser viabilizada pelos cartórios extrajudiciais.
As moradias apresentam, normalmente, dois tipos de irregularidade fundiária: Dominial e Urbanística e ambiental. A primeira ocorre quando alguém ocupa uma terra pública ou privada sem documentação de que possa viver ali. A segunda se refere a locais que não estão de acordo com a legislação de uso urbano e ambiental; essa irregularidade também está ligada a construções que não foram devidamente licenciadas.
Para explicar como os registradores de imóveis podem ser agentes de mudança nesse cenário, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso do Sul (Anoreg/MS) conversou com Naymi Salles Fernandes Silva Torre, oficial do cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas e Pessoas Naturais de Terenos/MS.
Confira a entrevista na íntegra:
Anoreg/MS – Quais os deveres de quem exerce a função de registrador de imóveis?
Naymi Salles – Além dos deveres constitucionais e legais inerentes à atividade, como exemplo os previstos no art. 30 da Lei nº 8.935/1994, os registradores de imóveis devem zelar pelo desenvolvimento dos registros públicos, pelo acervo sob sua guarda e atos que almejam inscrição no fólio real, visando garantir e tornar perene a segurança jurídica ao aplicar fielmente a lei, investindo massivamente em eficiência e aprimoramento profissional de seus colaboradores, tratando o usuário com urbanidade, sem deixar de exercer a atividade com qualidade e regularidade.
Anoreg/MS – Como o registrador pode viabilizar a moradia formal?
Naymi Salles – O direito de moradia, assim como o direito de propriedade, é de essencial importância no Estado Democrático de Direito. É direito fundamental, bem como direito humano de maior relevância. O registrador de imóveis finda por (i.) garantir o ordenamento territorial, (ii.) evitar litígios vinculados à propriedade e (iii.) fomentar a pacificação social, fornecendo instrumentos jurídicos relevantes para viabilizar investimentos públicos e privados em prol do progresso nacional, com enfoque especial no direito de moradia. Ao garantir a segurança jurídica reduz custos e incita investimentos voltados à moradia dos cidadãos, ao conferir celeridade nos atos que pratica garante previsibilidade aos usuários e investidores, implementando o desenvolvimento sustentável no ambiente urbano.
Anoreg/MS – Que procedimentos são necessários para a efetivação de regularização fundiária?
Naymi Salles – A regularização fundiária (Reurb) é procedimento complexo, previsto na Lei nº 13.465/2017 que carreou alteração substancial a partir da Lei nº 11.977/2009, com o intuito de facilitar e descomplicar os procedimentos administrativos e registrais, no afã de afastar entraves outrora existentes. Referida norma trata da regularização fundiária urbana e rural, visando implementar objetivos do Estado numa política pública de acesso à propriedade e moradia.
A lei prevê que vários sujeitos podem requerer a Reurb, seja órgão público ou sujeito particular, valendo-se de inúmeros institutos jurídicos para tanto (a exemplo da legitimação fundiária, compra e venda ou doação).
Por sua vez, o poder público pode se valer da demarcação urbanística para levantamentos na área sob estudo, com vistas às análises e projetos necessários à Reurb. Outro instrumento que pode ser utilizado é a legitimação fundiária, que implica numa forma originária de aquisição do direito real de propriedade, afastando quaisquer ônus ou embaraços eventualmente existentes. Noutro turno, é possível ainda valer-se da legitimação de posse, que se traduz em conferir título possessório com o escopo de futura conversão em propriedade.
Portanto, há previsão de processo administrativo com fases prescritas em lei (a exemplo de requerimento, elaboração e aprovação de projetos), visando inscrição final no registro de imóveis. Os procedimentos registrais necessários dependerão do caso concreto, se o requerente é órgão público ou não, se haverá legitimação fundiária. Enfim, a depender do conjunto documental apresentado, haverá um tratamento conforme a lei minuciosamente prescreve.
Assim, diante de inúmeros meios para se efetivar a Reurb, em última instância o direito à moradia será chancelado pelo Registro de Imóveis. Noutras palavras, compete ao registrador imobiliário a inscrição dos atos da Reurb na tábua registral com o fito de tornar realidade a vontade do Constituinte, diminuindo desigualdades e erradicando a pobreza.
Anoreg/MS – Qual a relação do acesso a moradia com a dignidade humana?
Naymi Salles – Tratando-se de direitos fundamentais de máxima imperatividade tutelados pela Reurb, o poder público e o registro de imóveis devem prestigiar o meio ambiente e o direito à moradia, por intermédio da consecução da função socioambiental da posse e propriedade. Cumpridos os requisitos legais para a Reurb, valendo-se da integração política e social entre o Estado e a sociedade, além da interpretação harmonizadora dos princípios constitucionais, conferir dignidade à pessoa humana é prioridade do Estado de Direito, o que ocorre com a implementação da moradia em núcleos urbanos.
Sob tal cenário, compreende-se que o Estado deve viabilizar condições existenciais mínimas a seus cidadãos, para que seja efetivada a “dignidade da pessoa humana”, mediante a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária”, garantindo o “desenvolvimento nacional” e resguardando o equilíbrio ambiental em prol das “presentes e futuras gerações”, sobretudo por meio do acesso à moradia.
O direito fundamental à moradia se perfaz com a garantia do direito à propriedade e posse. A ordenação do território confere dignidade à moradia e deve ser executada pelo Poder Público, com a finalidade de minorar as desigualdades, implementar a infraestrutura básica, garantir a prestação de serviços públicos essenciais e integrar socialmente os cidadãos. Busca-se preservar e maximizar direitos fundamentais, resguardando o exercício da dignidade humana e a sobrevivência em condições adequadas e saudáveis.
Anoreg/MS – Como as atividades designadas ao registrador de imóveis foram impactadas pela Lei Federal 13.465/2017, regulamentada pelo Decreto 9.310/18?
Naymi Salles – A Lei nº 13.465/2017 desburocratizou precioso instrumento jurídico que deve ser adotado de forma gradual e coletiva em todos os municípios brasileiros, regulamentada pelo Decreto nº 9.310/2018 resguardam-se direitos fundamentais tão sensíveis, como a dignidade humana, direito à moradia, saúde, entre outros. É fato que, ao regularizar ocupações urbanas, o Poder Público trata com responsabilidade o crescimento sustentável, tanto em termos ambientais quanto econômicos.
O avanço legislativo acima apontado, fruto de aprofundado estudo em conjunto com a classe notarial e registral, findou por facilitar a implementação da Reurb de forma menos onerosa e com esteio na celeridade. O registro de imóveis assume papel de relevância e se coloca como guardião de direitos humanos, tornando realidade os fundamentos da república.
Anoreg/MS – Há outras mudanças recentes na legislação que refletiram no segmento? Se sim, quais são? Como elas impactaram os registradores e usuários dos serviços?
Naymi Salles – Assim como se deu com a Lei nº 13.465/2017, notários e registradores empenharam esforços em pesquisas e estudos voltados a avanços legislativos com esteio na desburocratização aliada à eficiência notarial e registral, elegendo-se a segurança jurídica como fiel desta balança. Sobreveio, então, a Lei nº 14.382/2022 que trata do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) que se consolida como instrumento imprescindível ao avanço normativo e tecnológico da atividade, impactando positivamente nos registros públicos e sua relação com os usuários, alavancando o Brasil como um dos países mais modernos e seguros em termos de sistema registral imobiliário.