Todos os dias os serviços notariais são procurados por seus usuários para lavratura de escrituras públicas de compra e venda, em que o imóvel é adquirido de uma terceira pessoa, com recursos do doador (pai), em nome do donatário (filho). Trata-se de uma modalidade de compra e venda conjugada com uma doação de dinheiro. Ou seja, consiste na aquisição de um determinado imóvel em que o numerário utilizado no pagamento do preço é doado quase sempre pelos pais ou avós do adquirente donatário, sendo que, para concretização da vontade do doador ou doadores, necessária se torna a celebração de um único instrumento público (compra e venda acoplada com doação). O negócio é celebrado entre outorgantes vendedores e outorgado comprador (donatário do dinheiro), figurando o doador ou doadores da pecúnia como “interveniente(s) anuente(s) doador(es)” que pode(m) impor a seu favor a constituição do usufruto, bem como, gravá-lo com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Ocorre que esta prática notarial vinha encontrando resistência de parte de diversos Registradores Imobiliários, ao argumento de que o doador da pecúnia, na condição de mero interveniente, não poderia reservar para si o usufruto do imóvel, eis que jamais foi proprietário do mesmo.
Quando muito, o comprador do imóvel/donatário do dinheiro, poderia instituir usufruto em favor do doador da pecúnia, hipótese em que haveria, entretanto, a tributação pelo ITCMD sobre tal instituição.
Além disto, ante a edição da Lei Estadual n. 13.136, de 25 de novembro de 2004, que dispõe sobre o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos –ITCMD, restou estabelecido no artigo 2o, inciso III, que na transmissão através de doação de dinheiro em espécie, para aquisição de imóvel pelo comprador/donatário, existe a necessidade do recolhimento do imposto ITCMD referente à doação do dinheiro.
Diante desta disposição legal, nos casos de compra e venda conjugada com a doação (doação modal) no Estado de Santa Catarina, restou obrigatório o recolhimento do imposto incidente sobre a doação do dinheiro ao filho, para a compra do imóvel, além do recolhimento do imposto de transmissão “inter-vivos” referente à compra e venda e, nos casos de instituição do usufruto, do recolhimento de imposto sobre 50% do valor do imóvel, conforme determina a legislação estadual vigente.
Este fato onerou significativamente as partes interessadas na aquisição imobiliária pela modalidade de escritura pública de compra e venda conjugada com a doação, tendo em vista que as mesmas são obrigadas, por expressa disposição legal, a recolher TRÊS tributos no mesmo instrumento, ou seja, o imposto “inter-vivos”, referente à compra e venda (incidente sobre 100% do valor do imóvel); o ITCMD referente à doação dos recursos (dinheiro) pelo doador (incidente sobre 100% do valor do imóvel/dinheiro) e, havendo usufruto, o imposto referente à constituição deste direito (incidente sobre 50% do valor do imóvel). Diante disto, restou criada a dificuldade junto aos serviços notariais para lavratura destes atos, tendo em vista o excessivo custo para as partes, em virtude do recolhimento dos vários impostos exigidos pela lei.
Contudo, cabe neste momento ao Tabelião e ao Registrador Imobiliário, de conformidade com as suas atribuições, respeitando a legislação vigente, mas no devido cumprimento do seu mister, buscar alternativas para as partes.
Importante ressaltar que o princípio básico para lavratura da escritura pública é que a vontade das partes esteja fielmente exarada no instrumento, e que, encaminhada ao Registro Imobiliário, seja a mesma devidamente registrada, ratificando as disposições constantes da mesma.
Diante disto, para que esta excessiva tributação não onere sobremaneira as partes, e para que a vontade das mesmas seja preservada, é legalmente possível que a modalidade de escritura pública de compra e venda conjugada com doação permaneça vigente junto aos serviços notariais, através de um instrumento público hábil a conferir os direitos almejados pelas partes, sem a necessidade do recolhimento excessivo de impostos.
Não existe razão alguma para que num mesmo instrumento, ou seja, numa única escritura pública, o tabelião não possa lavrá-la constando da mesma dois atos distintos, ou seja, a compra e venda do imóvel e, ato contínuo, a doação deste mesmo imóvel para o donatário.
Assim sendo, com o intuito de preservar a vontade das partes, é possível que o pai adquira o imóvel de terceira pessoa (vendedor) e, ato contínuo, no mesmo instrumento em que foi lavrada a compra e venda, este pai, denominado então “outorgado comprador/doador”, transfira o imóvel ora adquirido por doação em favor do filho “donatário”, reservando, se for o caso, o direito ao usufruto e gravando o mesmo com as cláusulas, tudo num único instrumento.
Teremos então, no mesmo título, vários negócios jurídicos e três partes distintas – o vendedor do imóvel, denominado no título meramente “vendedor”, o pai que comparece adquirindo o imóvel e, em seguida, o doando a seu filho, com eventual reserva de usufruto e cláusulas, denominado “comprador/doador”, e, finalmente, o filho, que aparecerá na escritura como “donatário”.
A grande vantagem para as partes é que neste único instrumento, o outorgado comprador/doador recolherá apenas o importo “inter-vivos” referente à compra e venda do bem (incidente sobre 100% do valor do imóvel) e, do imposto ITCMD referente à doação do bem ao donatário (incidente sobre 50% do valor do imóvel), reservando o usufruto a seu favor (que não é tributado). Ressalte-se que, nesta nova fórmula, deixa de existir a “doação de dinheiro” – que é tributada, sendo substituída pela doação do próprio imóvel.
É sem dúvida, exacerbado formalismo, para a validade da transmissão, a exigência da celebração de dois instrumentos em vez da conjugação, na mesma escritura, dos dois atos (compra e venda e doação).
Apresentado tal título a registro, o Registrador de Imóveis, em atenção ao princípio da continuidade, e visando preservar a evicção, irá promover os registros e a averbação independentes dos negócios jurídicos entabulados na escritura, ou seja, primeiramente o registro da compra e venda, em seguida o registro da doação e, finalmente, o registro do usufruto, culminando sua atuação com a averbação das cláusulas insertas no negócio jurídico.
Estar-se-ia, desta forma, dando fiel cumprimento à vontade das partes e à legislação civil e tributária vigentes.
Bel. Eduardo Arruda Schroeder – Registrador de Imóveis (Indaial-SC)
Bel. Otávio Guilherme Margarida – Tabelião de Notas e Protesto (Mafra-SC)
1 Tabelionato de Notas e Protesto da comarca de Mafra
Fone/Fax: (047) 3642-4949
e-mail: tab.mafra@margarida.org.br
Mafra – Santa Catarina
Fonte: Jornal O Cartório