A regularização de paternidade em casos de inseminação caseira vem sendo destaque nos debates entre estudiosos e juristas. As mudanças ocorridas na formação familiar, mulheres que sonham em ser mãe, mas não possuem um parceiro, e casais homoafetivos estão entre os que buscam por este tipo de procedimento.
É possível encontrarmos na internet kits a venda para esse tipo de procedimento, o que o torna acessível quando comparado à inseminação realizada em clínicas de fertilização.
Toda essa discussão já chegou aos Tribunais, e para falar sobre esse assunto a Anoreg/MS conversou com Lauane Andrekowisk Volpe Camargo, advogada, professora e diretora-geral da Escola Superior da Advocacia de Mato Grosso do Sul (ESA/MS), sobre a regularização de paternidade em casos de inseminação caseira.
Confira na integra a entrevista:
Anoreg/MS: Qual a diferença nos registros de pessoas fruto de inseminação caseira, inseminação em clínica e de barriga de aluguel?
Lauane Volpe: O Brasil regulamenta apenas o registro de pessoas fruto de inseminação realizado sob supervisão médica, através de clínica de reprodução. A barriga de aluguel é vedada no Brasil, permitindo-se apenas a barriga solidária.
Estima-se que muitos brasileiros procuram outros países para gestarem através da barriga de aluguel, de modo que tais crianças serão registradas no estrangeiro, onde foi realizado o procedimento de acordo com as leis locais.
Por fim, em relação a inseminação caseira é certo que tal procedimento não tem qualquer amparo na legislação brasileira, sendo também não recomendado pelo Conselho Federal de Medicina, pois implica em graves riscos para mãe, para o bebê, e principalmente alto risco de fraudes sobre a real parentalidade.
A professora Regina Beatriz Tavares, presidente nacional da Associação de Direito de Família e Sucessões (ADFAS), ressalta que do ponto de vista jurídico a inseminação em clínica assegura o anonimato do doador, o que não acontece na inseminação caseira, onde a paternidade pode ser posteriormente requerida em juízo. Além disso, a professora também destaca que a inseminação caseira aumenta os riscos de relações incestuosas que além do aspecto moral é causa de doenças raríssimas que colocarão a criança em risco.
Anoreg/MS: Quais empecilhos um casal homoafetivo enfrenta no momento do registro da criança fruto de inseminação caseira ou barriga de aluguel?
Lauane Volpe: Primeiramente é importante destacar que as exigências para registro são as mesmas para casais heteroafetivos ou homoafetivos.
No ponto, o artigo 17 do Provimento 63/2017 exige a apresentação da declaração da clínica onde foi feito o procedimento. Sem a apresentação dos documentos exigidos no artigo 17 do Provimento 63 a criança não poderá ser registrada sem a interferência do Judiciário.
Anoreg/MS: Como regularizar a paternidade/maternidade de homossexuais em casos de inseminação caseira e de barriga de aluguel? É possível fazer o processo extrajudicialmente?
Lauane Volpe: A regularização da parentalidade originária de barriga de aluguel ou inseminação caseira atualmente não podem ser feitas extrajudicialmente. Será necessário o ajuizamento de uma ação para tal finalidade. E é positivo que seja assim, pois no processo judicial é possível que sejam verificados os fatos, já que o registro da parentalidade é algo essencial a dignidade da pessoa humana e não pode ficar a mercê de simples declarações dos pretensos pais.
No passado, muitas crianças foram registradas com base em má-fé dos pais o que causou danos irreparáveis como se dava na famosa “adoção à brasileira”, onde inclusive sequestradores registraram os sequestrados como se seus filhos fossem. Justamente para evitar fraudes e preservar o melhor interesse da criança que a legislação se aperfeiçoou e passou a exigir documentos que comprovem a origem da suposta parentalidade.
Na hipótese de os pretensos pais não terem os documentos necessários exigidos pelo legislador será possível o ajuizamento de uma ação judicial para se provar a parentalidade. No judiciário outras provas serão possíveis de serem produzidas, com a participação do Juiz e do Ministério Público como fiscais da lei. Sendo comprovada a veracidade das alegações dos pretensos parentes o registro será deferido.
Anoreg/MS: Quando o filho de um homoafetivo já nasceu, possui certa idade e apenas um pai ou mãe no registro de nascimento, um novo cuidador da criança (cônjuge do pai/mãe) pode adquirir legalmente a paternidade ou a maternidade?
Lauane Volpe: O registro da parentalidade socioafetiva é permitida tanto para filhos de casais homoafetivos ou heteroafetivos, a regra é a mesma de acordo com o artigo 10 do Provimento 63/2017, atualizado pelo Provimento 83/2019.
Para o registro o requerente deverá demonstrar a consolidação publicada da afetividade, que no caso não significa um sentimento e sim um comportamento social, ou seja, o requerente deve demonstrar que trata socialmente a criança como filho (a). Esta prova pode ser feita por todos os meios em direito admitidos, como por exemplo: (i) apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; (ii) inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; (iii) vínculo de conjugalidade, casamento ou união estável; (iv) inscrição como dependente do requerente em entidades associativas;(v) fotografias em celebrações relevantes; (vi) declaração de testemunhas com firma reconhecida.
Importante ainda consignar que se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento. Depois de analisar tais requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério Público para parecer. Se o parecer do Ministério Público for positivo o registro poderá ser realizado, caso seja negativo, será encaminhado ao Judiciário.
Anoreg/MS: Quais os prejuízos para a criança que não tem a sua maternidade ou paternidade, seja biológica ou socioafetiva, registrada em cartório?
Lauane Volpe: O direito ao registro é essencial à dignidade da pessoa humana, porém os efeitos do parentesco são importantíssimos e por isso tal ato deve ser fiscalizado pelo Estado não podendo ficar à mercê de fraudes ou má-fé. Um registro que não corresponda à realidade trará prejuízos irreparáveis a pessoa que for vítima de tal ato, motivo pelo qual a legislação foi aperfeiçoada de modo a proteger o interesse das crianças. E repita-se, caso não seja possível o registro extrajudicial é certo que o Judiciário analisará o caso com maior profundidade e assegurará o devido registro.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Anoreg/MS